quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Filantropismo

Movido pelo mais puro filantropismo literário aceito a tácita tarefa de transmitir no lirismo a parte que me cabe destilando catártico aristotélico. Reclinado, olhar distante, seta em punho, ritual quase litúrgico: meio taoísta, ou umbandista, quem sabe javista, um pouco batista, até aos sábados adventista, mas sem dízimo católico ou evangélico.

Visão periférica alerta em semi-planos inaudíveis do imediato imagético abstrato. Sigo meu ofício extra-físico de aprendiz do senso invisível do teatro da vida e seus atos: sapateiro/carpinteiro de almas.
[Nota mental: lembrando que a vida concreta, deveras insana, não precisa de pregos ou sapatos. Bom mesmo é o pé na terra, unhas negras, calcanhar cascudo, sandália havaianas...].

Todos querem um mundo focável, palpável, denotativo até nas intenções. Pois daqui, ejaculo duplos sentidos no seu mundo movido por senos, co-senos, drenos, duodenos, tubos, distúrbios e conexões. Essa é a cidade Pós-moderna em que promete-se o céu e vive-se no inferno de um mundo ilusório. Trabalhar e burilar os pecados, era o que diziam, em tempos coloniais, os que anunciavam ser aqui o terreno purgatório.

Mas, eu não caibo no seu mundo idílico e me perco na extensão do meu quarto transitório. Sofrendo a libertação das palavras, elas são minhas filhinhas doentes que satisfaço todas as vontades. Vão onde querem ir, brincando despreocupadas. Mas eu as adverti em tom severo para que não aprendam a mentir. Por isso amigo, tudo que sai daqui, é ingênuo, puro, sincero...

primeiro amor




meu primeiro amor

começou no jardim

nos domingos de manhã

me levava café

e dizia que gostava de mim



nunca sabia o que dizer

olhava pro lado

fazia cara feia

como se fosse do mingau de aveia

mastigava então

para em vão

disfarçar as batidas do coração



terça-feira, 30 de outubro de 2007

O ódio

Extrato de uma das coisas fodonas que tenho escrito ultimamente, por conta de um espetáculo que estreará em dezembro. Deixo aqui, em primeira ( primitiva mão) para que tu penses, como eu: a quantas anda o teu ódio de cada dia?
PS: escrever coisas fodonas é garantia de liquidificar a psique.


Eu venho de dentro, desse mato cerrado
que mora no fundo do teu coração acelerado
Eu saio pra fora, transbordo, feito sangue jorrado
minha lei não conhece o certo ou errado

feito touro enxergo vermelho quando acuado
devagar sinto meu punho sendo cerrado
uma palavra torta, um olhar enviesado
o sangue sobe aos meus olhos, estou preparado

empunho toda a variedade de armas na tua mão
transformo no pior inimigo aquele que é teu irmão
teu olho, perdido, não enxerga mais com a razão
tua vítima agoniza, rosna e gane, feito o mais abjeto cão

deixe que eu te tome por inteiro
faça com que o tiro atinja certeiro
eu planto corpos mortos pelo mundo, faço dele um canteiro
e faço de você, seu mais mortífero jardineiro

eu moro no escuro do teu quarto mais fechado
que existe no fundo do teu coração acelerado
provoco sem pudor todo e qualquer pecado
minha lei não conhece o certo ou errado

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

haikai da Sherlocka

Y



no alto, muitas folhas à vista
joga-as como confete
pra dar ao amor uma pista




Y

domingo, 28 de outubro de 2007

Isaura exaura


estou em cama de gato,
um pulo no ato
outra pata no rato
bem-bem esticada
mas que silada!

patas fofas de felina
entrecruzam cá e lá,
lá e cá bem rapidinho
e a cabeça pensando
lendo a charada da esfinge
e ora! disse ele:
"eu é quem devora!"

desculpa a sinceridade
sou menina fraca de trova
endurecida d´ verbos d´outrora
mas aceito o desafio
mesmo que tenha medo
de balançar-me por um fio

não! não! não!
não quero meu oco no chão!


mas hoje eu o sou o próprio
e não rebato a tua canção
com coisas de lá gelar o coração
ah, meu cúmplice da escrita
Governador Geral da emoção

hoje sou Isaura, prazer.
a escrava do canudo.
e nada mais além de tudo
a alma é buliçosa por viver


e não raro
eu me deparo
assim no más
não tendo faro
alegria?
não ria!
ao menos
tenho o dom
de arrancar-te a alforria


isso acontece quando eu sou trabalhadêra
e limpo os espelhos com cera.
mas hoje a minha senhora chamou o limpol
e fisgou os meus torpores com anzol.

puxa vida, sinhô, que besteirol!


sábado, 27 de outubro de 2007

a gata da Mariana



A gata sempre sonhou em um dia em ser Mariana. Um dia, viu algo estranho. Pensou que era uma mulhe. Porém, a transformação não foi completa. Sua aparência era apenas um corpo feminino com uma cara de felina. Era um mundo bizonho. Preferia ser uma gata novamente, pois agora era um ser híbrido e bizarro.

Quando era bicho era mais bela. Mas não podia ser Mariana pois faltava aquela bela face de sua dona.

Então adormeceu. E no despontar do dia, percebeu que tudo não passava de um sonho, de um sonho...

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Jamais silencie!

"O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons."
Martin Luther King

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Minuzzo´s car crash

A pedidos de Diva Minuzzo, posto por ela. Então já sabem, o escrito abaixo não é de minha autoria, e sim, dessa chata azeda, de péssimo humor nas segundas-feiras.
Todavia, vou dar um crédito a ela, em virtude do acontecido quase fatal, que desejo apenas para Calheiros.
Afinal, quando a gente gosta do ser, fica-se chateada quando ele está bege e com nuvens negras fazendo tiara no cabeção.

(ao emoldurar o bilhete, ela escreve: "Poeminha bobinho de quem está temporariamente afastada do "mundo". Que "mundo" ? E se tudo mesmo for (sur) real? Whatever...





Mari

Avancei no momento errado

Um passo a mais, poderia mesmo

Ter voado

Não o vôo de turista à esmo

Mas o vôo de pássaro machucado



Anyway

Sigo em frente

Depauperada ligeiramente

(felizmente)

O canudo é a cenoura

Que impele o burro à frente



E os clichês se tornam tão reais

Quase que me foram fatais

A pressa é inimiga da perfeição

Parente próxima da minha distração





Ane Minuzzo, em 10 de outubro de 2007.



terça-feira, 23 de outubro de 2007


Na Idade Média utilizava-se a expressão “O Nome da Rosa” para se demonstrar o poder das palavras. Ângelus Silésius certa vez escreveu: “a rosa não tem porquês, ela floresce porque floresce”. Me permito discordar do nobre pensador e refletir sobre as palavras.

Não somente a rosa, mas todas as flores tem seus motivos. A beleza não se expressa somente na alegria e felicidade, também na dor, tristeza... Então, quando a Terra chora, paisagem desolada do árido deserto ao charco abandonado ao pé do céu jogando ao inserto, de sua tristeza brotam escritos. Pequeninos círculos empetelados onde, depois da chuva, do cheiro de terra, um poema de Gaia é enviado aos pseudo-literatos terrestres. Guarda-sol à joaninhas, que em relação simbiótica movimentam a vida micro-invisível aos olhares sem fibras óticas da geração Internet.

Vem à tona também as ervas, o mato. Se tudo fossem flores não mais as sentiríamos. É preciso que haja prosa para que floresça a poesia. Assim, atravessando imensas camadas subterrâneas, magmas incandescentes, até a transpor a barreira subcutânea, uma pequena flor desafia paralelepípedos.

Avisem os navegantes!

Que parem os transeuntes, os caminhões carregados, aviões e os tanques, os casais de namorados, o esnobe endinheirado, nos motéis os amantes; o cachorro cagando, o bêbado mijando, a dondoca juntando a bosta do bicho; o velho jogando, o entediado andando e o mendigo com fome catando resto no lixo; o otimista sonhando, o suicida chorando, o caipira puxando peixe em ponta de caniço; o político roubando, o juíz apitando e o empresário de filho sequestrado fumando e pensando no inaceitável sumiço.


A Terra escreveu uma flor...

Cadê a tristeza?

sábado, 20 de outubro de 2007

eu fico imaginando o que imaginarias se acaso eu imaginasse com a tua imaginação...


sexta-feira, 19 de outubro de 2007


Inaugure yourself

Inauguram-se em minha dileta cidade dois novos templos.
Carrefour e Igreja Universal.
Construções sofisticadas, erigidas no centro do burgo.
"Os dois de consumo" penso, passando em frente, sob o sol que doura mesmo sem a literatura, especialmente sem a literatura.
Depois de uns dias fora da urbs ensandecida, curando a ferida, tudo parece tão surreal. Tipo: como assim?
As pessoas compram edredons em irresistível oferta e depois, ou outro dia, garantem um espaço no paraíso? Garantem que as naves espaciais dos seus pastores tenham sempre gás para levá-los ao serviço...da fé?
As pessoas se paramentam como se fosse aquele domingo do século passado e vão à inauguração do hipermercado. Seu olhar é faminto, e eu, curiosa ( vício eterno ) me misturo a elas. Mas a minha fome, que tanto já morou no meu olhar, se desloca para o estômago. Chego à casa materna e como duas bananas.
Puxa, há quanto tempo eu não comia uma fruta tão saborosa.
Tenho mordido outras, algumas frutas do pecado, mas sinto - o encontro não vai se dar dentro de templos não. O que eu preciso, urgente, deseperada e completamente é: minha própria história. Eu mesma. A minha verdade, e não aquela que querem que eu acredite que é a minha.
E é tão bom ficar na minha.Me aconchego em mim mesma.
É disso que tenho fome.
E das frutas maternas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007


Em um embate sob a iluminação insuficiente, se divisava algo que ainda não se sabe bem ao certo seus rumos, seus dramas, seus amores que talvez começaram a germinar entre as esperas de um século para serem vividas em alguns pares de horas bem ao gosto da escola Belle Époque.

Intenções cheias de ardor e imaginação aguçada, parto forçado em que nasceu uma tempestade formada em ondas violentas de cortejos secretos e cuja representação apenas seria possível acaso houvesse o talento de um grande pintor.

De palavras...

Não preciso foi matar as larvas do jardim, apenas as vicissitudes inescapáveis foram as vendas que nos calaram. Tufão impaciente, em redemoinho louco por engolir ribanceiras e penhascos, não creditou na calmaria, o oposto que medra refletindo perda. Mesmo sem querer nunca calar, o aparente silêncio fez nascer algo bom,- um raro diamante, tal qual brilhante corpo celeste ao queimar na atmosfera, e polidas vejo que são essas arestas, meteórico rutilar no alcance da verdade. E mui, mui mais valiosos aqueles que vêm que a espera é o que desajusta o derramamento da alma. Projeções em corpos astrais de palavras celestes esperando o desenlace. Larvas em casulo agora em frente à face, mesmo que transparentes e não voem em tela.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

De manhã


Acordo. Enfim decido acordar e acordo em outubro. Recém vivia março e agora....
O estado livre, morno e bom que traz os sonhos teima em fugir, por mais que o queira trazer de volta.
Torço a cabeça, 5:35 no rádio-relógio.
Tenho que criar meu dia. Tenho que.
Tenho mesmo que?
No momento a única criação disponível é atirar-me pela via obrigatória da "patente" e descarregar o acumulado da noite. Jorro forte, água no rosto, sabonete líquido, produto caseiro que não ensaboa.
O que inventar para as róximas horas?
Siga os tempos esperançosos do zen e do tao: nada "faz". Nada. Apenas fica e observa, sem interferir na vida das vidas próximas.