terça-feira, 19 de agosto de 2008

vertigens da razão


Não podemos prever os grandes acontecimentos. Tsunamis são imprevisíveis e nem sempre há radares páreis.




Sexta-feira de duas semanas atrás – não negarei meu tédio quanto a conversas paralelas sobre jogos de futebol em mesa apertada de salão de festas alugado enquanto crianças sonolentas gritam sem saber o que realmente querem a bípedes longevos, que falam, falam, falam intermitentemente sobre a máfia do apito e suas barrigas inflam de salsichão besuntado. Balões estouram um atrás do outro e não há sequer notas musicais que recendam de algum canto qualquer para amenizar o óbvio do ser. É, definitivamente é mais fácil descobrir a fórmula do tédio do que a teoria do significado ou a aplicação a curto prazo do E=mc2. O mundo dos salões alugados não permite alçar o vôo dos trapezistas.


As pessoas desses salões falam em liquidações imperdíveis, Onassis em ilha de caras, gravidez depois dos quarenta e seus riscos gradativos, escova progressiva agora já com formol, novela cowboy e botinha bang-bang, plástica indolor e fios de ouro nas maçãs da cara. E haja cara, cara não rara para um mundo que não se faz rir com o abdômen. Não. são risos de garganta seca e manipulados convenientemente por não tão maus atores assim. muitos risos de garganta que estragam as cordas vocais pro outro dia.Os convivas usam sempre o mesmo vocabulário para denominar o todo. Até um estrangeiro que não fale o Português entenderia a língua depois de três horas de imersão naquelas falas recorrentes. a retórica prêt-à-porter faz silêncio em meio ao barulho. O garçon finge que fala bem. Não, mas peraí, ele fala bem. ele fala melhor que todas as pessoas dali. Articula bem ao anunciar os sabores das pizzas, pluraliza os sabores, flexiona os verbos de sua ação em movimento tornando-se a pessoa mais interessante do recinto por menos dentes que tenha em sua boca.



Franjas foram cortadas para aquela ocasião tão aguardada de outubro. aquelas mulheres velhas usam-nas, talvez, para voltar à meninice estanque. A eterna ode ao novo está sobre suas testas por mais que louvem a sabedoria do saber envelhecer. São ninhos moldados que protegem as suas vítimas testas de unicórnios do tédio. Mas não adianta, as franjas lhes fazem velhas justamente por escolher o corte. O labirinto em que ambigüidade humana se perde é inevitável e assim sempre será até que retornemos às cinzas. E eu tenho um corpo e duas almas e sem querer, e sem pedir, saio dele por aí a ver o que Nietzsche enlouqueceu por apregoar.


Depois dessa noite sabia que precisava me perder um pouco. E me perdi me achando.me perdi na jogatina de uma quarta sem-lei e quase sem remorso. Decidi que não voltaria pra casa depois do sétimo copo de cerveja. O boteco era sórdido. Até um cachorro andarilho perpassou minhas pernas enquanto o taco através de regras não oficiosas tentava bater a ferro e fogo a bola do adversário. Hapers fumavam gangorreando o cigarro caído no canto da boca. E o aquilo se tornava bonito pro meu mundo pequeno-burguês convicto. Eu gosto do contrário ao comum. É oxigênio extra pra quem gosta de submergir ao oceano da vida.Rock´n roll gaúcho de fundo na birosca - Cachorro Grande, ah, os guris do main stream e reconhecidos agora no sudeste inebriavam a ilusão da madrugada. Agora sim, aparece, de uma forma meio nebulosa, a vida que vale a pena, pelo menos por alguns instantes e que custa caro. A noite cai e a minha razão cai junto. O telefone celular toca, reconheço o número no bina e não atendo. A desconsideração se apossa do meu senso e quero mais é que o mundo se foda. Agora eu sou outra. A outra latente que o tédio dos salões se incumbiu de lapidar. Passo por cima da moral, atropelando-a implacavelmente sem se quer parar pra socorrer. Agora eu sou eu. Uma endiabrada na direção sem rumo, nauseada e cega de álcool a muitos quilômetros por hora nos ares do mundo. Nem sempre dá pra explicar o porquê de haver um pouco de razão na loucura. E a imoralidade nas altas horas é justamente não ser autêntico consigo mesmo.


O dia amanhece e caminho pelas ruas do Bonfim. não quero voltar pra casa. Paro em cada esquina, como um cachorro sem guia que escolhe o poste certo pra marcar a presença na ausência. A cada esquina com casa antiga e contrastante com o céu, eu diminuo o passo, paro e fito; decido se vou marcar, e então vejo a beleza do cinza- cimento. ah, e como é bonito o cinza flicts. Existe lugar para todos no mundo, lugares mais altos, mais planos, feios e bonitos. Mas existem. Agora eu vejo esses muitos lugares e possibilidades várias de ver a lua.Que magia estranha a essa hora conseguir enxergar um sentido... os ninhos e cabeçorras começam a se esvanescer como uma fumaça bruxuleante no final de um fogo de chão. Agora não são mais as franjas-ninhos da minha ojeriza. São as melenas onduladas do quadro de Da Vinci que embriagam o amanhecer com o seu movimento aquático. Os balões já pararam de estourar e já não escuto as conversas cruzadas sobre a máfia futebolística. 6:30 da manhã de quinta-feira. É hora de trabalhar e mais uma vez eu perco a razão.
Porto Alegre, 15 de junho de 2006.

5 comentários:

Anônimo disse...

a grande verdade é que a minha vida burguesa assalariada está acabando com o meu lado maldito, o meu lado criativo. Os códigos abre-alas do do meu novo cartão de crédito são meus susseranos absolutos, e agora, somente a eles pertence minhas moelas outrora denominadas cérebro.


e eis o pacto.






mn

jbettpinto disse...

Não tens que te preocupar com essa condição (vida burguesa assalariada), porque, logo, logo, essa tua alma judia retoma a vantagem!
Mima-te,e conta-nos o mundo como, sempre,tens feito!

Bjs.

Anônimo disse...

querido, sempre bem-vindas são as tuas palavras acalentadoras e, mais feliz ainda, por saber que vem elas d´outros mares lusos, pois.

Anônimo disse...

isso traz lembranças... não exatamente nostalgia (ainda é cedo, talvez, para isso) mas um certo ar do limbo que já saímos. e temos que segurar firmes o ar que tenha ainda ficado de lá, por vezes.
pra não perder aquele jeito de sorrir que tínhamos.
mas tudo isso só pra dizer que a tua prosa é envolvente demais.
adivinhe quem sou eu?
fácil né...

Anônimo disse...

foda. fodona de adivinha.
recuperei esse arqivo perdido... e resolvi jogar aos ares....



mn