quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Adiós, Fapita



Parece mentira, mas encerrei uma longa trajetória que parecia não ter fim. Confesso, ontem, em meio à prova, eu olhava pra Ane, buscando repartir os tantos sentimentos que naquele instante surgiam em mim e, de repente, me dava conta de que havia algo inflamado dentro do peito, e ele ia tomando conta, se espalhando, subindo pras idéias, atrapalhando tudo dentro da cabeça; ah, muita vontade de chorar. de chorar por tanta coisa, sabe. por tudo que eu deixei de fazer, de conhecer, de respirar, de dormir, de viajar, de aproveitar, de comer, de encontrar, para, enfim, estar ali - chegar ao último e verdadeiro dia de aula. E, então, não controlei e chorei. Chorei no fundo da sala. Chorei pra mim. Chorei pra minha mãe, pros meus amores tantos da minha vida. Chorei a emoção guardada. de represa pronta para abertura de comporta.

Depois de passados esses dias de provação, e fazendo um retrospecto dessa trajetória que se projeta agora, como um filme na minha frente, vejo quantos ontens ficaram para trás, quantos amanhãs encerrados dentro da morada uterina se foram; e então consigo lembrar exatamente daquele meu outro jeito que tinha,- ansioso, quando os meus olhos corriam embasbacados por completar todas aquelas cadeiras ainda desconhecidas e que vertiam em pergaminho sem-fim, na grade do comprovante de matrícula. E, hoje...
e hoje, finalmente, foram preenchidas até o último quadradinho de um papel timbrado.

Essa questão de se ver, de súbito, vivendo um momento sempre sonhado, riscado, contabilizado até a última gota espremida, é, sem dúvida, muuuuito louca. Mas muito louca mesmo. Isso, me faz ver que volátil é o tempo, essa migalha à nossa história; uma reles migalha, por mais que envolva uma mão cheinha da existência.

Nesses dois últimos semestres, andava muito cansada, nauseada, estressada, achando todo aquele catatau de conteúdo muito intelecto engessado pra minha cabeça já lotada e ávida por navegar n´outros mares; queria fazer outras coisas, - lides manuais, aventuras, voltar a dançar, escolher meu próprio livro, esquecer do mundo, das âncoras que me soterravam do céu, dos prazos cegos e suas conseqüências somáticas, das caudalosas leituras e de todos os comprometimentos que uma faculdade faz implicar.

Ao final desse ano de 2007, olho feito pássaro migratório para os tantos horizontes que começam a surgir adiante, e antes de alçar vôo nessas longínquas linhas, olho para mim, para mim nesse novo corpo, e então o vejo tão diferente, meio amorfo, talvez "encadeiradamente disforme" sejam as palavras certas para definir o esqueleto atacado de pelanca. É, o corpo pagou o preço por eu acreditar em um ideal secreto, acho, que surgido na tenra infância, e não levado tão a sério até o meu um quarto de século: de aprimorar a escrita; de perder o medo de assumir um jeito próprio de eternizar as idéias.

O tempo passou, cresci, e, vivaldina vivi. Todavia, lá pelos vinte dois, vinte quatro anos, ainda estava insatisfeita, pois percebia que eu era perna-bamba da metafísica; então vi - precisava aprender, mas aprender de verdade, aprender mais, com os grandes. Queria ter certezas. Certezas inabaláveis, de um certo James Bond ao meu modo na hora de mirar certeiro a letra. Escolhi Letras, óbvio. Baita curso (só para poderosos a serviço).

Depois de ter feito tanta coisa, estudado de tudo um pouco nessa vida, vejo nitidamente, não há curso que lapide melhor a linguagem do que essa faculdade. Hoje, acredito em mim, não mais temo se se faz assim ou assado, ou se escrever “isso” vai transmitir ulhas, fagulhas ou, vá saber se bulhufas. Hoje, posso dizer que sei de mim, do que a Mariana sente, e não tem erro; não é a gramática que vai desmerecer, dar rasteira; não é porque sou desvirgulada, ou ando torta das regências de Pasquale Neto da Academia de Deus, que deixarei de sentir pra narrar as coisas que eu sinto pulsantes, verdadeiras, vivas e muito, muito muito grandes, acima de todos protocolos de erudição. Hoje eu sei uma coisa nova, que nasceu há pouco: eu sei que agora eu sei saber de mim. As regras não mais maculam uma cápsula sequer das minhas idéias; e, simplesmente, porque elas nascem na vertente cava do coração. Eu meto a idéia, cunho o "mn" e assumo sem medo. Não mais me importam as referências, o não-agrado do mestre ou a nota hottest one. Não é isso que me constrói como ser. E, engraçado, justamente isso a faculdade me deu - uma espécie de coragem, de personalidade intelectual, mesmo que torpe em seu escopo.

É duro admitir, ainda mais porque "orgulho" é substantivo regente desse corpo diabolique, mas, ainda sim, admito:
Eu me encontrei me perdendo lá dentro. Valeu, e isso é baita arma. Conhecimento é munição portátil, bagagem invisível em qualquer alfândega do mundo e que ninguém pode tirar.



3 comentários:

Anônimo disse...

Estive te lendo, música ao fundo. E que posso mais dizer senão que me comoveste, Mai. Me comoveste tanto pelo que contas dessa meia década de jornada, quanto pelo firme aprendizado de liberar e domar tuas próprias palavras.
Aquele "barroquismo" multicor da tua natureza excessiva descansando comportadinho como criança a quem a mãe manda dormir a sesta.
E a tua verdade, - bem desperta.
Comove-me também ver que a menina que desenhava a bailarina num picadeiro iluminado, agora vai conquistando palavras.
Comove-me ter acompanhado, quase sem me dar conta, tua lenta metamorfose.
Lutas, jogos, risos, danças, gritos, pânicos, iras, dores. Permeando tudo, a coragem e a beleza de um coração bom.
Agora vejo e te vejo cada vez melhor, apesar da miopia.
Além de orgulho, vem-me amor com esta lágrima pendurada à beira dos cílios, quem sabe da mesma fonte das tuas de há dois dias atrás.
Um beijo e que as estrelas continuem te acompanhando pelo caminho.

Anônimo disse...

"bagagem invisível em qualquer alfândega", isso é muito bonito. me gusta muito.
espero que essas letras que formaram palavras em nossas sopinhas partilhadas sigam formando outros vocábulos vida à fora. por falar em sopinha, aquela de beterraba e moranga que tu fez naquele almoço eu nunca vou esquecer. aquilo é alimento pra alma.

maricota disse...

ai, que coisa mais linda essas duas fodalhas da minha vida, deixando mensagem pra eu me sentir bem. feliz. e agraciada com visitas delas... das Elas elinhas dos meus sonhos de amarelinhas.


amei. amei que vocês vieram aqui.

e ó, mãe: eu não desisti, tá? eu agora entendo o que tu me falava,há seis, sete, oito, nove anos atrás quando tu me corrigia, com aquele teu cigarro-gangorra, no canto da boca a balançar se perdendo nas críticas enfumaçadas que empilhavas sobre meus dolorosos partos. saquei qual foi o babado de que falavas.


e Ane, ó: saquei aquele papo do hermetismo que tu me falava, também. saquei. tentei e continuarei ser moça-leque.

valeu. valeu. eu sou gentia com algumas gotas de sangue português,- gosto de aprender sempre, sou universal e absorvo tudo, até as mais ferinas críticas para então transformá-las em tijolinhos à minha morada das letras...


luv,


mn